AMOR E ÓDIO NO CASAMENTO
O estado conjugal é....uma imagem completa do céu e do inferno que podemos experimentar nesta vida.
Richard Steele
Os amigos são menos do que perfeitos. Aceitamos suas imperfeições e nos orgulhamos do nosso senso de realidade. Mas, quando se trata de amor, teimosamente nos agarramos às ilusões – visões conscientes e inconscientes de como as coisas deviam ser.
Quando se trata de amor – amor romântico, amor sexual e amor conjugal - , precisamos aprender outra vez, com dificuldade, a desistir de todos os tipos de expectativas.
O amor romântico da adolescência, diz o analista Otto Kernberg, é o “começo normal e crucial” do amor adulto. Mas muitos terminam a adolescência antes de enterrar o amor adolescente.
E muitos trazem de volta a paixão você-é-tudo-para-mim, não-posso-viver-sem-você. Os passeios ao luar. As viagens à lua. E, apeasr do fato de ser ou não possível conservar esse amor durante todos os anos da vida, ele pode lançar sua sombra sobre tudo o que vier depois.
Freud, tratando do amor, distingue o amor sensual, que procura a gratificação física, e o amor caracterizado pela ternura. Freud descreve também a superestimação – ou idealização – da pessoa amada. Ela também faz parte do amor sexual romântico.
Além disso, Freud nos lembra que nem mesmo o relacionamento amoroso mais profundo pode evitar a ambivalência, e nem o casamento mais feliz pode evitar uma certa porção de sentimentos hostis.
Sentimentos de ódio.
“ A textura sedosa do elo matrimonial” , escreve William Dean Howells , “suporta uma tensão quotidiana de insultos e transgressões, aos quais nenhum outro relacionamento humano poderia ser sujeito sem ser lesado.”
A Boa ressalva é que , às vezes, o elo entre marido e mulher é mais forte do que qualquer dano que possam causar.
A má resalva é que nenhum casal de adultos consegue provocar mais danos um ao outro do que marido e mulher.
O psicanalista Israel Charny, num ousado estudo sobre o casamento, contesta “ o mito de que as dificuldades conjugais são, em grande parte, o destino de pessoas ‘doentes’ ou ‘imaturas’”. Ele argumenta que “empiricamente não se pode negar....que a grande maioria dos casamentos está sujeita a profundas tensões destrutivas, visíveis ou não”. E ele sugere uma redefinição do casamento comum , médio, normal como um relacionamento inerentemente carregado de conflito e de tensão, cujo sucesso exige
“ um perfeito equilíbrio entre amor e ódio”.
As tensões e conflitos da vida de casados podem começar com a morte das expectativas românticas, encantadoramente descritas no poema “Les Sylphides” , onde, sonhando com flores e com rios murmurantes, cetim e árvores dançantes, dois amantes se casam.
...Então eles se casaram – para ficar mais tempo juntos –
E descobriram que jamais estavam muito tempo juntos.
Separados pelo chá da manhã,
pelo jornal da tarde,
pelos filhos e pelas contas dos fornecedores.
Quando acordava durante a noite, ela sentia segurança
na respiração cadenciada do marido, mas imaginava se
na verdade valia a pena, e para onde
o rio tinha ido
e onde estavam as flores.
Nós todos medimos nossos sonhos, comparando-os às realidades. Nós todos talvez tenhamos tentado alcançar um pássaro de plumagem rosada, nos céus da poesia, e acabamos com um papagaio na gaiola da sala de estar, num subúrbio qualquer.
Levamos para o casamento uma infinidade de expectativas românticas. Às vezes, também visões de míticos êxtases sexuais, e impomos à nossa vida sexual muitas outras expectativas, muitos outros ‘ devia ser”, que o ato quotidiano do amor não consegue realizar. A terra devia tremer. Nossos ossos deviam cantar. Fogos de artifício deviam explodir. Devíamos alcançar o paraíso, ou um fac-símile razoável. Nós nos desapontamos.
Porém , mesmo quando a paixão é febril e todos os sistemas funcionam com perfeição, é difícil manter esses picos de excitação. E os casais acabam descobrindo que , depois de algum tempo, o sexo não é mais tão sexy.
Levo mais um copo d’agua para as crianças.
Passo o creme de hormônio no rosto.
Então , depois de terminar a isometria
recebo meu marido com um abraço caloroso.
Com minha camisola de flanela de mangas compridas
e meias (porque meus pés estão sempre gelados),
engulo tranqüilizantes para minhas extremidades nervosas
e pastilhas de antialérgico para a coriza.
Nosso cobertor elétrico azul, regulado ao máximo.
Nosso despertador vermelho, regulado para as sete e meia.
Digo a ele que devemos muito no armazém.
Ele diz que seus dois melhores ternos estão sujos.
No ano passado, dei um Centauro no aniversário dele
(Eles me prometeram que ele se transformaria em meio homem,
meio animal.)
No ano passado, ele me deu algo negro e rendado.
(Eles prometeram a ele que eu ia ficar louca de desejo,
no mínimo.)
Mas , em lugar disso, os rolos do meu cabelo tilintam no travesseiro
e a unha comprida do pé dele me arranha.
Ele se levanta para aplicar um pouco de Chap Stick.
Peço-lhe que me traga dois Bufferin.
Oh, em algum lugar deve haver lindos boudoirs
com lençóis Porthault e dosséis e chicotes.
Ele caça leões na África nos fins de semana.
Ela tem noventa centímetros de cadeiras.
Seus olhos se encontram sobre os copos de conhaque.
Ele passa os dedos pelos cabelos dela, penteados por Kenneth.
Os filhos estão na outra ala com a governanta.
O som de violinos paira no ar.
Na nossa casa ouço água pingando.
Está chovendo, e nunca nos lembramos de tampar a goteira.
Ele apanha o pano de chão, e eu, o balde.
Concordamos em tentar novamente na próxima semana.
Trecho do livro de Judith Viorst
“Perdas necessárias”
quinta-feira, 15 de novembro de 2007
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