domingo, 6 de janeiro de 2008

Pedalada sob as águas


SOB AS ÁGUAS DE VERÃO.

Sábado à tarde, na tranquilidade da minha casa, assistindo uma bobagem qualquer na TV, entra o comercial divulgando a Copa América de ciclismo, que neste ano de 2008 realizar-se-a no Rio de Janeiro.
Lembrei-me de que hoje é dia do meu treino de Montain bike .
Dou uma breve espiada pela janela da sala que tem vista sul...vejo que o tempo está nublado mas não chove....
Vou preparar toda a tralha de equipamentos para a volta de hoje; fato é que não saio para uma volta de bike se não estiver devidamente equipado.
Agora começa caça aos equipamentos e seus esconderijos prediletos, luvas, por exemplo, estavam dentro da gaveta de cuecas, até aí tudo bem. As botas com clipe estavam onde deviam estar (menos mal), no armário de sapatos. Bermudas de ciclismo, soterradas sob as bermudas do armário, camiseta foi fácil.
A bolsa com bomba de pneus, câmara de ar e ferramentas ( vai que me fura um pneu!) resolveu brincar de esconde comigo. Procurei em todos os lugares possíveis até chegar a um cantinho do closet onde não poderia estar....mas estava bem ali.
Capacete....capacete....procura, procura...pendurado no cabideiro. Óculos de lente transparente ( já que sol não tinha mesmo). Faltava agora preparar as garrafas de água , uma com limão espremido e outra com água gelada. Quase um litro e meio de água ao todo.Até que hoje foi fácil. Pronto pra sair! Quase. Cadê o computador da bike, coisa pequena mas imprescindível ao treino já que grava todas as informações da volta...onde estaria?
Bem ali, no lugar certo para uma peça dessas....sobre os livros na estante, sobre “A menina que roubava livros” , entre um Fernando Pessoa e um John Gray.
Logo ao sair de casa, senti aquele característico cheiro de chuva, mas estava no rumo sul no acostamento da Rodovia Anhanguera no sentido de São Paulo, olhando o céu cinzento mas nenhum sinal de chuva...e desce marcha , pedalando firme, no entusiasmo de uma sabadão à tarde.
Essa volta deve ter uns 25 quilômetros. Era a primeira vez que me aventurava nela mas no fundo não gosto muito de pedalar em acostamento de estrada.... a proximidade de minha casa e o fato de poder pedalar sem parar me fez decidir por tentar.
Decidi chegar até o trevo de Louveira , é uma cidade vizinha que deve estar a uns 10 quilômetros de casa.
Foi tudo bem até o tal do trevo da entrada da cidade onde me propus a chegar, no retorno há uma pequena saída para a direita ao viaduto que me levaria para o outro lado da pista de volta. Bom lugar para dar uma parada e tomar água .
Quando encostei a bike sobre o viaduto, ainda sentado sobre ela, e antes de pegar a garrafa de água com limão , olhei para o norte, de onde tinha vindo e um vento forte, muito forte vinha me acompanhando sem que eu tivesse percebido. Olhando mais atentamente o céu atrás de mim tomei um susto. Há tempos não via uma massa cinza tão grande e pesada vindo em minha direção. Era chuva certa para o meu retorno.
-O que fazer ?
Encostar o bike num restaurante próximo e esperar a chuva passar?
Não seria minha melhor opção porque tinha saído para um treino e não pretendia quebrar o ritmo, mas aquela chuva toda, decididamente não estava nos meus planos.
Já havia pedalado onze quilômetros e o corpo estava quente , suando e precisava de água...mas realmente não aquela que rumava em minha direção com tanta majestade.

Ainda consegui pedalar no rumo norte uns dois quilômetros até que começou a pingar.
Eram gotas grossas e pesadas como pedaços de algo atirado do céu com violência por alguém que , naquele momento pretendia me encharcar.
-Pensei: Vou continuar ! Não vou desistir !
A coisa foi “engrossando” e comecei a me sentir molhado.
Chuva fria , vinda de muito alto, pesada, e me castigava como que me repreendendo por algum pecado cometido.
- Não vou desistir !
- Pedala ! Vai ! Força !
- Mas, eita chuva fria e dolorida !
Em pouco tempo não havia mais onde molhar, eu era um charco humano.
Enquanto pedalava pensava em pântanos, em lagunas, em mangues....Meu Deus, quanta água caia do céu sobre a minha cabeça.
Por um momento pensei que havia entre o meu quadril e as botas presas ao pedal algo mecânico e metálico que estava frio, mas não sentia nada, essa coisa que conheço como coxas transferia minha força ao pedal mas não sentia a musculatura trabalhando de tão gelado que estava.
Pedala..!
Num trecho da estrada que passava na beira de um barranco podia jurar que ali estavam algumas pessoas esperando minha passagem , todas com baldes cheios de água nas mãos . Ao passar, todas ( ao mesmo tempo ) derrubaram sobre mim.
Que quantidade absurda de água era aquela caindo sobre a minha cabeça?
E raios, ao longe mas não tão longe assim. Será que o quadro da bike atrairia raios? Pensamentos soltos, absurdos e o vento, contrariando minha vontade de seguir de volta pra casa soprava alheio ao meu esforço . No chão os pneus da bike cortavam poças imensas que me faziam lembrar de lagunas.
Pensava em tantas coisas enquanto lutava contra toda aquela água e vento. Lembrei do rapaz que fez as calhas de casa. Precisava de uma calha agora já que nesse momento a água era tamanha sobre a minha cabeça e encontrara um caminho no capacete para escorrer diretamente sobre meu olho direito, bem ali, entre a minha cara ensopada e os óculos.
A viseira do capacete atenuava o aguaceiro sobre meu rosto e escondia as subidas que ainda teria que encarar. Mas continuei com força e determinação até avistar o portão de casa.
Foram vinte e cinco quilômetros de treino , metade deles sob uma chuva de lavar a alma que a tempos não me pegava.
Por fim, encharcado , mas com a sensação de “missão cumprida” entrei no banho quente com roupa e tudo para aquecer o corpo....essa máquina maravilhosa de encarar desafios e aventuras.

MMartins
05-01-2008

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